terça-feira, 27 de setembro de 2011

ERA SÓ UM MACARRÃO DE DOMINGO

Isso aqui tinha um cheiro...

A gente tinha acabado de voltar de um lauto banquete na casa da minha mãe. Um bacalhau às natas, em homenagem à minha viagem por Portugal. Mas já eram 19h e as crianças precisavam jantar. Ok, mentalmente comecei a fazer o percurso dos armários da cozinha imaginando que alquimia podia dar.

Encontrei macarrão. E avisei que seria macarrão. A recepção foi calorosa. Aí mentalmente fui para a geladeira. Manteiga de boa qualidade, tomates maduros e - ahhhhh! - linguiça calabresa defumada, comprada no intuito de virar feijoada, mas alçada, naquele minuto, à condição de estrela do macarrão do domingo. Mas isso eu não contei, seria uma surpresinha.

Comecei picando a cebola grosseiramente. Enquanto ela derretia junto com a manteiga e ia se tornando transparente, piquei o alho minusculamente e o tomate em pedaços largos. Assim que a filha saiu do banho e acusou o cheiro de cebola fritando na manteiga, era o ponto exato de juntar a ela tomate e alho. Deixei apurar um pouco ao mesmo tempo em que cortava a linguiça em quartos de círculo. 0,5 centímetro é a altura certa da fatia de linguiça. E, sim, isso faz toda a diferença. Foi uma calabresa inteira para a caçarola. Fritou um pouco junto com os outros ingredientes e ficou lá dentro da panela esperando o molho reduzir.

A água já fervia, o macarrão submergiu delicado, se entregando aos poucos ao calor. Ganhou sal e fez o trabalho lentamente. As borbulhas da água do cozimento da massa marcavam o chão e a essa altura apaguei o fogo do molho. Sempre acho que o molho deve descansar depois da intensidade a que é submetido. Afinal, ele precisou alcançar o pico do sabor em pouco tempo. Enquanto o macarrão terminava a caminhada para chegar ao ponto, coloquei - escondida - uma pitadinha de pimenta rosa desidratada no molho e mexi, bem suave. A ideia não era deixar ardido por igual, era oferecer pequenos teritórios de ardidura, encontrados pela língua assim, meio por acaso, como uma surpresa sorrateira.

Virei o macarrão na travessa, molho por cima e aí aquela tarefa de harmonizar o design do prato. Um tomate para cá, duas linguiças ali do outro lado e, voilà! Juro que era para ser um macarrão de fim de domingo... mas foi impossível...

domingo, 4 de setembro de 2011

PICADINHO NA PONTA DA FACA

Cozinhar não é uma coisa que a gente faz assim de qualquer jeito. O ritual começa com o notebook saindo da bancada do escritório e indo para a bancada da cozinha. O passo seguinte é conectar a internet no www.grooveshark.com e bater na busca: ORQUESTRA BRASILEIRA DE MÚSICA JAMAICANA. Enquanto os primeiros acordes de "O Guarani", de Carlos Gomes, começam a soar naquela inconfundível versão ska, é hora de cortar a cebola. em rodelas para a farofa bijoux, pequenininha para o arroz, e grosseiramente para o picadinho na ponta da faca. Aí começam os trabalhos!

A cebola do arroz começa a ficar molinha enquanto é envolvida pelo óleo quente, os grãos de arroz começam a cair e convidam a cebola e o óleo para uma dança, bem rebolada. Chierou? Toma água fervendo. Agora é com a boca do fogo. Na panela ao lado, a cebola do picadinho descansava sobre a manteiga e coberta com farinha de trigo. Acendo o fogo e a cebola fica cheirosa e transparente. A filha grita lá do quarto: "que cheiro bom!". Manteiga + cebola é, de fato, para derreter corações, até os mais sisudos. O filé mignon picado em quadradinhos de 1cm2 armava a parceria com os cogumelos fatiados, a pimenta do reino, o sal e a farinha de trigo, numa vasilha ao lado do fogão. Mas a cebola chamou e a carne não resistiu. Se projetou na caçarola. Química pura. Enquanto o calor transforma a cor e a textura dos ingredientes, a colher de pau vai revirando o que virá a ser o picadinho. Quem já fritou sobe. Quem está cru, desce. O caldo começa a engrossar e, quando ferve, abre espaço para um bom punhado de cheiro verde. Corrijo o sal e a pimenta (a criançada vai almoçar com a gente, então nada de deixar picante demais). No limite.

Agora é a farofa. A filha pediu que não fosse daquela comprada pronta. Pediu que eu fizesse. Aceito o desafio. Cebola em rodelas e essas, fritando na manteiga, precisam quase queimar. Nesse ponto, farinha bijoux nelas. E mexe. Não pode queimar de jeito nenhum. Sal. E mexe. Tá pronta a farofa. É a justa medida para colocar duas colheres de sopa de aceto balsâmico no picadinho. Perfeito. Nem uma gota a mais. Toca Orquestra Imperial no Grooveshark. Tampo o picadinho e só vou mexer de novo na hora de servir, quando ele recebe mais uma mãozada de cheiro verde recém-picado.

A mãe, que veio almoçar com a gente, pediu ovo frito com o picadinho. Ou pastel. Eu fiz os dois. Todos os ovos sobre a manteiga derretida numa frigideira bem grande. Fogo muito baixo, panela tampada. A gema tem de endurecer. E o pastel só não pode queimar. Pronto. Tudo pronto. Temos Picadinho na Ponta da faca. Vai começar o rega-bofe.

Tomo a liberdade de interromper a narrativa porque a música já acabou no note e todas as comidas foram para a mesa. A prova está aqui....

Não quero comentar...