Esta semana estamos indo à escola de ônibus. Desde segunda. Mas foi só hoje que o filho perguntou por que "nunca mais" (sic) tínhamos ido de táxi, nosso transporte mais corriqueiro. Respondi de pronto que, de ônibus, economizávamos e aí sobraria mais para o Natal. (Nessa brincadeira, gastamos R$12,00, em vez dos R$60,00 que gastaríamos fazendo o percurso de táxi). A resposta é verdadeira, mas não é toda a verdade.
A filha ficou na sua unidade e lá fui eu, com as pastas de trabalho de um ano inteiro dela numa mão e a mão gordinha do filho na outra, descendo a rua que nos levaria à unidade do filho. A gente ali na calçada, apostando corrida, desviando das garagens, dos cocôs de cachorro, dando bom dia aos porteiros que varrem o chão. Quando olhei para a rua, vi vários carros, com colegas dos meus filhos dentro. Eles também faziam o percurso de uma unidade à outra (um quarteirão e meio certinho), só que de carro. Tão perto e a gente se habitua a entrar no carro, colocar os cintos, ajeitar as mochilas, liga, vence o trânsito, vence a falta de vaga, desliga, larga o filho na escola. Tão perto. Mas perdemos a capacidade de atravessar um percurso tão pequenino, protegidos no carro, a pé. E a gente nem para para pensar. Faz. Repete. Se deixa levar.
E a resposta certa para o meu filho estão seria outra: a gente vai de ônibus, meu filho, porque a cidade é nossa, porque temos pernas fortes, porque gostamos de ver as melancias na banca de frutas da esquina, porque é gostoso sentir o cheiro do pão e do café que vem da padaria, porque apostar corrida de manhã é um presente, porque desviar dos cocôs nos deixa mais espertos, porque a gente não tem medo de ocupar os espaços públicos que, afinal, nos pertencem.
A gente vai de ônibus porque quero ensiná-los a cuidar do próprio tempo e não ser atropelado por ele, porque quero ensiná-los a dar bom dia ao motorista e a agradecer quando ele nos deixa descer pela frente se o ônibus está mais cheio. A gente vai de ônibus para lembrar que o mundo é feito de gente diferente: brancos, pretos, orientais, velhos, jovens, crianças, todos na labuta, todos esperando alguma coisa, todos vencendo as distâncias que os separam de seus objetivos.
A gente vai de ônibus porque o sistema de transporte tem de ser nosso aliado e não nosso inimigo. Porque quanto mais gente quiser partilhar, compartilhar, ir junto, dar lugar, deixar passar, segurar a sacola do vizinho, ajudar a descer, ajudar a sair, cumprimentar, responder ao cumprimento, mais essa cidade vai se humanizar. E quanto mais humana ela for, mais nos sentiremos tranquilos por dentro, mais vamos deixar de cair na falácia da "Segurança", mais ela será nossa cidade. Ah! E ainda vai sobrar uns trocos para os presentes de Natal.
Oi Elisa, tudo bem?
ResponderExcluirDesde o começo do ano estou sem carro e é incrível a diferença!!! Como a gente não aproveita a cidade como estamos de carro, não? Hoje tenho andado muito mais, conhecido mais lugares, pessoas e a cidade!!! Outro dia mesmo, eu e o Thiago estávamos almoçando na Vila Madalena e depois fomos a Fnac, falei para irmos a pé, que era perto, não andamos nem 10 minutos, o dia estava lindo, encontramos uma querida amiga no caminho, descobrimos um café delicioso que acabou de abrir, enfim, quando chegamos a Fnac comentamos que se a gente tivesse de carro, certeza que teríamos percorrido esse caminho tão curto de carro, não teríamos encontrado a amiga, o café e ainda gastaríamos uns R$ 15,00 com estacionamento ehehheheheheh
Realmente, dar pela cidade é ótimo, a gente se sente parte dela!!!
beijão
Joana
chorei, juro!
ResponderExcluirDa segunda vez que li, também chorei, Marília. As coisas são todas tão simples, né?
ResponderExcluirtambém tou com os olhos cheios de água, elisa. fico tentando dizer isso todo dia. fico com vontade de mostrar as pernas pras pessoas e lembrá-las que essas máquinas tão espetaculares pifam se ficarem paradas. fico triste por tão pouca gente saber que são paulo, às vezes, tem cheiro de flor.
ResponderExcluirfico com vontade de dizer isso tudo. e você diz!!! e a joana, ali em cima, também deu um exemplo ótimo e tão cotidiano pra quem toma posse das calçadas.
todos os dias, com meu carro na garagem de casa ou usado por outro, me sinto uma felizarda por isso tudo que você disse.
e você ainda tem um bônus e tanto: a mão gordinha que não poderia segurar se estivesse com as mãos na direção!
Ah quando você não precisa atravessa a cidade, e sim apenas andar um ou dois quarteirões realmente é possível ir de ônibus, mas tenta às 18:30, pegar algum ônibus.. Qualquer um, para qualquer lugar... Acho que o filho não ia mais nem querer ganhar presente de natal.. Somente o carro de volta!! Bom, essa é só a minha opinião, mas de qualquer forma parabéns pelo texto e pela visão da cidade!
ResponderExcluirCara Bárbara, façamos um exercício: se mais gente fosse de ônibus (e se houvesse ônibus para os que optassem por esse modal), haveria menos carros na rua. Se houvesse menos carro, o trânsito seria menor e eu, meus filhos, você, seus filhos e todos os cidadãos chegariam mais rapidinho. Para que isso aconteça é preciso, em primeiro lugar, entender que carro é inimigo da mobilidade e impõe um estilo de vida egoísta. Depois, é preciso votar em gente que tenha em mente políticas públicas de melhoria e não em quem acredite que governar é abrir pista de Marginal. A cidade que eu enxergo é uma cidade real, que pode melhorar muito. Mas tem de querer enxergar tudo isso... Meus filhos serão educados para isso!
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