domingo, 11 de março de 2012

JARDINAGEM SENTIMENTAL

Minha filha ganhou, ao nascer, uma linda flor de maio, bem cheia e florida de rosa-choque. Foi uma amiga minha que, quando soube do nascimento da menina - tão perto do seu próprio - rompeu a distância física que nos separava e fez chegar esse presente especial. A flor de maio de minha filha deu muitas mudas e sempre floriu muito, inclusive fora de época, marcando as mudanças de estação sob o ponto de vista da natureza (domesticada, é verdade, mas natureza). Contudo, desde que montei o jardim suspenso aqui no hall de casa - talvez pela mudança de recipiente, talvez pelo novo lugar, sei lá - a planta começou a ficar fraquinha.... deixou de botar as mil folhinhas semanais que sempre botara, não floriu mais e parece sempre ressequida, um tanto tristonha.

Ao longo da semana, portanto, decidi que domingo daria um jeito nisso. Eu não podia ficar de braços cruzados esperando a bichinha morrer. E foi aí, fazendo o transplante e a adubação da flor de maio, que me dei conta de que meu jardim é, na verdade, um jardim sentimental.

Explico.

Tem uma planta que não sei o nome, mas que floresce umas florinhas miúdas e vermelhas, que ganhei de uma amiga ainda antes de casar. A matriz fica na casa da mãe dessa amiga, e já vinha de uma longa tradição de tiras de muda. Essa é a primeira lá em cima. O suporte que a mantém pertinho da janela do hall, um lugar que ela adorou tanto que se derrama toda para baixo, foi uma antiga chefe, atual amiga, quem me deu quando eu saí da empresa dela, como uma lembrança pelos bons serviços prestados.

Logo abaixo dessa planta derramada fica comigo ninguém pode. Presente do meu padastro. Vai tão bem que está tentando quebrar o vaso que a contém. Protege a casa e denuncia a pertença: somos uma casa brasileira e, como diz Marcelo Rosembaum, toda casa brasileira começa com um vaso de espada de são jorge e comigo ninguém pode.

Do lado oposto fica a grade do jardim suspenso, que além de sustentar as derivadas da flor de maio, ostenta orgulhosa uma flor da fortuna que meu filho ganhou ao nascer de outra amiga minha. Essa sofre para se manter viva, mas eu não descuido. Não é mais frondosa como quando chegou, há quase 6 anos, mas está lá brigando. No meio do gradil, pendurei hoje um gerânio (que é a casa de uma minhoca gordinha, que dançou muito ao som de Elis Regina logo cedo). Ele floresce vermelho claro. Tenho uma lembrança embaçada que quando meu irmão estava para nascer, meu pai fez um canteiro de gerânios. É, portanto, para mim, uma flor masculina, cheia de força. Este ano, as jardineiras que fazem companhia às janelas aqui do prédio, serão reformadas e poderemos voltar a plantar nelas. Gerânios serão os eleitos para ocupar esse mini-jardim que os apartamentos humildemente ofertam à São Paulo.

A orquídea que hoje subiu para o gradil veio da família do marido da minha irmã. Não sou muito boa com orquídeas, mas essa está lá, firme, apresentando folhinhas novas de um verde novo. Muita raiz. Não consegui que ela florisse, mas um outro amigo me disse que orquídeas são assim mesmo, tímidas, não se mostram sempre. Mas há que se insistir, porque numa manhã qualquer elas surpreendem e apresentam aquela armadilha perfeita que acostumamos chamar de flor.

A flor da minha mãe é antúrio e esse seu Antônio, meu vizinho aqui da frente, jardineiro de mão cheia, tratou de plantar. Pedi a ele uma mudinha assim que a flor que está lá agora secar. Ele me ensinou que muda a gente só tira quando a flor vai embora. Enquanto isso, rego o lírio branco - que vi a primeira vez na casa da minha mãe, há muitos anos, e quis ter um igual na minha casa (assim como o Santo Antônio, que morava na minha avó, na minha mãe, na minha irmã e aqui em casa também, claro). Lírios brancos são fortes e discretos. Não gostam de sol, resiste a tudo. O vaso que acolhe o meu está até pequeno para ele, mas o lírio não se abate. E flor, viu? duas vezes ao ano.

Faltam ali os temperos, que fazem sentido hoje para mim, e uma árvore frutífera que me traria o cheiro de infância. Ainda não escolhi qual, mas também não tenho pressa. Um jardim sentimental como esse aqui precisa de uma vida inteira para ficar pronto.

3 comentários:

  1. Sou suspeitíssima no comentário, pelas óbvias ligações afetivo-familiares, mas asseguro que esse texto está muito bom!

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  2. hmm... é, cada pequeno ato cotidiano pode ser assim, sentimental. Sinto as vezes que minha memória foi tão boa e agora me abandona, mas tenho conexões de som... Sabe quando a gente sente um cheiro e lembra da casa da vó? eu ouço alguns sons que me trazem memórias... podia facilmente ter a trilha sonora da minha vida.... "que a chuva caia como uma luva, um dilúvio, um delírio..."
    Beijos

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  3. Nossa, que coisa fantástica, um jardim de sentimentos. Hm.... eu tenho tido brigas com minha memória, que não é mais a mesma, esquece de eventos, nomes, coisas realmente importantes! Mas ela tem um gatilho... em vez de ser ativada pelo cheiro como muitas pessoas, tenho uma memória de músicas como que a trilha sonora da minha vida. Tenho músicas relacionadas a pessoas e diferentes épocas e contextos. Ah, agora me veio mais uma... um show do Djavan, onde eu me acabei.... mas não fui a única, né?
    "que a chuva caia como uma luva, um dilúvio, um delírio..."
    Beijos e muito amor.

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