quarta-feira, 18 de julho de 2012

SAUDADES DOS TELEFONEMAS DA MINHA AVÓ



"Qué que hai, Pinga Fogo?"


Hoje atendi a quatro ligações. Uma pelo interfone, três pelo telefone. Dessas três, uma era de prestador de serviço, uma de amiga e uma de familiar. Todas elas para resolver pequenas coisinhas e dar seguimento à vida. E enquanto esfregava uma mão na outra e pensava no que vou fazer de almoço, me dei conta de que estou com muita saudade dos telefonemas da minha avó Regina. Em geral era eu quem ligava aos domingos. Não tinha hora certa, mas era de lei. E começava sempre com um "Qué que hai?", que mal traduzindo do bahianês afetuoso das antigas para o português é "E aí, o que conta de novo?". E sempre tinha algo de novo para contar.

Porque mesmo que não tivesse algo bombástico, importante, ela queria era saber da minha vida mesmo. Essa coisa besta que vamos levando todo dia, depois que o sol nasce. Queria saber do trabalho, pedia para eu descrever os colegas, queria saber se ela mesma havia conhecido o personagem quando veio ao meu casamento, muitos anos antes. Sempre perguntava do marido e da filha - o filho ela não chegou a conhecer. Fazia questão de saber se ele estava feliz ou triste com o andamento do time no campeonato nacional - e fatalmente trocava o time pelo qual ele torce, e eu sempre corrigia. Imagine, me perguntava das lojas e dos mercados que íamos na avenida aqui de cima. Se ainda estavam lá, o que tinha aberto no lugar. E pedia sempre sempre para eu descrever. "Agora é uma loja grande, vó. Só de roupa de mulher... As coisas são bonitas, mas é tudo muito caro...". Engraçado como ela dava valor a isso, ao meu olhar para as coisas.

E ela dava muita risada das maluquices que eu dizia. Por exemplo, sempre a incentivava a arrumar um namorado rico, pantaneiro, para a gente ir passar férias lá. Ela lembrava que não poderia andar a cavalo por conta da coluna, mas de charrete, sim. E eu avisava que teríamos de ir em outubro, quando já não estava chovendo...

Se a gente ralasse bem a conversa, não daria um kibe de informação que valesse a pena, não resolvíamos nada, não combinávamos nada, não decidíamos nada, apenas jogávamos uns dedos de prosa fora e saíamos muito mais felizes do que havíamos começado a conversa. Nesse mundo doido que a gente vive, com a síndrome da pressa e do excesso de informação, uma bobaginha assim faz falta. Sem saudosimo piegas, sem nostalgia, é só uma lembrança - entre um telefonema e outro para resolver os pepininhos - que às vezes querer saber do outro e alguém querer saber de você (para além dos check ins que a gente mostra no facebook) é um luxo bom de cultivar.

2 comentários:

  1. Emocionada! Sinto muita saudade da nossa linda, guerreira e grande avó!
    Fiquei com os olhos cheios de lágrimas, mas lágrimas de uma saudade gostosa, de uma sensação boa, de paz...
    De alguma forma ela nos aproxima, pois o amor que TODOS NÓS sentimos por ela é responsável por nos unir, dividindo a saudade, compartilhando as fotos, contando os "causos", relembrando as sábias palavras, rindo da deliciosa risada, multiplicando o amor!

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  2. Lindo texto, linda vó, sempre presente nos meus sonhos...

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