São Paulo tem um esquema curioso de ônibus. Posso ir da minha casa ao Largo 13, lá na Capela do Socorro, com um coletivo só. Mas não posso ir visitar minha mãe, ou levar os guris na escola - no bairro aqui ao lado - da mesma maneira. Tenho de pegar um até a avenida mais próxima, atravessar e pegar outro do lado de lá. Por isso não faço essa aventura todo dia. Mas hoje, como o tempo estava muito bom e a gente terminou de se arrumar antes da hora, resolvi que iríamos de ônibus.
Imagine: eu, duas crianças, mochilas, uma certa tensão no ar - a menina tem medo de se atrasar, o menino acha o transporte barulhento - mas vamos bem dispostos. O primeiro ponto é a meio quarteirão de casa. O ônibus não demora a passar e está - ufa! - vazio. O motorista sacode o carro um bocado, de forma que o mantra é: "Segura firme, filha. Segura firme, filho!". Mas aí acontece uma coisa legal. No busão, salvo os malas de plantão, todo mundo é parceiro. O primeiro bom dia vai para o motorista, que faz uma gracinha com as crianças. O segundo é para a cobradora, que tem sempre unhas compridas e impecáveis, ela ajuda a filha a passar e a soltar a mochila que ficou presa na catraca. Sentamos lá no fundão, com todas as pessoas abrindo espaço para os estudantes que enfrentam o transporte público logo cedo.
Descemos, atravessamos e vamos batendo papo nesse pequeno trajeto. A filha conta que sonha com uma São Paulo em que todo mundo ande de ônibus: "A poluição ia diminuir tanto que nosso nariz nunca mais ia arder". (Alô, dr. Paulo Saldiva! Está precisando de uma assistente?). No ponto do outro lado, onde esperamos o segundo coletivo, tem muito mais gente. Nosso ônibus chega logo e - estamos com sorte - também está quase vazio. Bom dia para o motorista de novo. Aí peço a ele para deixar a gente pagar, girar a catraca, mas descer pela frente, já que está meio cheio. Ele autoriza e, ao mesmíssimo tempo, duas mocinhas, com cara de estudantes da PUC, levantam e oferecem lugar para mim e para a prole. Não disse que tem uma parceria em jogo? Aceitei e fomos sentados juntinhos, no primeiro banco, conversando. Pago as passagens e o cobrador me explica que vai girar quando a gente estiver descendo. Eu agradeço mais uma vez e aí é a vez dele me desejar bom dia. A filha mapeia o ônibus e se preocupa sobre onde é o botãozinho para pedir que o ônibus pare, quando localiza relaxa e vai me contando umas histórias.
Nosso ponto chega logo, descemos pela frente, agradecemos ao motorista com o desejo um bom dia de trabalho. Pergunto aos meninos se está tudo bem, tudo em ordem, tudo no lugar, se tem alguém tenso. A filha admite que estava preocupada em chegar atrasada, mas, olha só, chegamos lá antes da hora que habitualmente chegamos quando vamos de taxi. Não é legal? Pronto. Filhos entregues, Elisa de volta para casa. No segundo ônibus, quando ia passar a roleta, a cobradora me olhou de um jeito engraçado e eu a reconheci na hora. Era a mesma, ou seja o coletivo era o mesmo, que pegamos para ir à escola. Ela brincou comigo lembrando que se eu estivesse pagando com Bilhete Único ia ser cobrado de novo, porque é o mesmo ônibus... Desci aqui na porta de casa feliz pela aventura da manhã e um tantinho esperançosa com a capacidade do ser humano de ser solidário, de se ajudar e de fazer a cidade um lugar, no mínimo, mais agradável. Bom dia!
que lindo! quase chorei :´)
ResponderExcluirquando vc vai escrever um livro?
Gostei do texto e das reflexões.
ResponderExcluirFiquei com vontade de ver/conviver um pouquinho com seus filhinhos...
=)
Lúcia, venha a SP, vai ser muito bom ter você aqui uns dias!
ResponderExcluirFiquei curiosa, como se parecem os alunos da PUC?
ResponderExcluirThaty! Filhas da classe média que acredita nos filhos, calça jeans, regata, algum acessório alternativo (lenço ou colar mais colorido), bolsa mais descontraída e cabelo comprido. Uma delas tinha um livro na mão. Detalhe importante: Eu estava num ônibus em Perdizes, que passa pertinho da PUC e é lotado de estudantes... aí ficou fácil inferir. Convenceu?
ResponderExcluirUm barato esse relato! Ainda mais que há três, quatro semanas, por aí, depois de anos usando só carro, ando de ônibus para todo lado e estou me divertindo muito! E consigo chegar no horário em meus compromissos (e sem gastar nada, porque tenho 60 anos e o ônibus é de graça). Estou pensando a sério em usar carro só quando tiver que transportar meus quatro netos, no fim de semana ou em alguma ocasião especial.
ResponderExcluirElisa Doolitsa
ResponderExcluirAndar com as duas fofuras (Lu e Dan) de ônibus não vale. Até o Godzilla se derretia...
Mas deixa pra lá. A cronica está bem legal e eu nisso sou meio Panglossiano e um otimista incorrigível. No íntimo, todas as pessoas são boas e solidárias (até O Gengis Khan deve ter sido à sua maneira, o Kadafi com seus netos)
Beijo do anônimo "vô" Celso
adorei o texto e estou adorando esta conversa. e assino embaixo, minha experiência quase cotidiana é assim gostosa. mesmo quando o ônibus está lotado e a gente nem precisa segurar pra não cair, rola um companheirismo.
ResponderExcluirpequena gentileza de hoje, a mais dos bom-dias habituais: enquanto eu, toda carregada, brincava de halterofilista pra passar uma sacola pesada por cima da catraca e perguntava se tudo bem apoiar meu guarda-chuva molhado na "mesinha" do cobrador, ele com delicadeza tirou da minha mão a carteirinha em que carrego o bilhete único. quando eu estava com tudo no lugar ele fez o "plip", eu passei e ele me devolveu meu bilhete. obrigada. sorriso. bom dia.
e sentei pra ler meu livro.
ps. já disse que sou fã dessa filha sua? eita, moça sábia!
Esse é o espírito, Maria! Adorei suas palavras todas. E a guria é mesmo sabida e também uma companheirona! Beijos,
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